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segunda-feira, janeiro 31, 2005

Uma vida de Tesos - 6º Folhetim

Chamava-a princesa. Ela detestava. Achava banal. Sentia-se protagonista de uma daquelas novelas de cordel baratas e pirosas que se vendem nas livrarias dos aeroportos e das estações de comboio. Mas era assim que ele a via. Como aquelas princesas das histórias infantis, presas numa torre alta e lindas como o sol…

Naquele dia chegara tarde do trabalho. Como acontecia sempre aliás. Metade da sua existência era passada numa cave escura de um banco. Para ele o sol era algo que via ao fim-de-semana ou fugazmente numa pausa de almoço. Nessa sala fria e feia partilhava um espaço minúsculo com mais quatro elementos da mesma equipa. Pessoas que nada tinham a ver com ele exceptuando o facto de passarem o seu tempo na mesma sala escura, fria e feia e de só verem o sol amiúde e nas pausas do trabalho. Aprendera por isso a conviver com eles de certa forma como os prisioneiros aprendem a conviver, por partilharem a mesma dor e o mesmo destino.

Mas dizia que ele chegara tarde do trabalho. Aqueceu qualquer coisa no micro-ondas. Restos de refeições antigas. Sentava-se na cozinha e sentia o ambiente deprimente de uma casa invulgarmente vazia onde só se ouvia o ladrar longínquo dos cães. A única luz acesa era aquela lâmpada meio fraca da cozinha e o único barulho era agora o disco de Duke Ellington que colocara a tocar. Comeu frugalmente sem qualquer tipo de prazer enquanto se concentrava na voz divinal de Mary Mayo: “How could i know love if i didn’t know about you”.

Navegou pela televisão, passando maquinalmente de canal em canal. A televisão parecia-lhe naquele dia jogar contra toda a lei de probabilidades existente. Em mais de cinquenta canais não havia um único que lhe captasse a atenção. Entre concursos para testar a cultura geral da população “Fernando João, para 10.000 euros quem descobriu o caminho marítimo para a Índia: a)Santana Lopes, b)Vasco da Gama, c)D. Afonso Henriques, d)Mantorras “, telenovelas ”Jocileyne, eu não sou cafageste, eu amo você…”, jogos de futebol medíocres “e o Paços de Ferreira a dominar o Desportivo das Aves nesta segunda parte” e documentários desinteressantes não se conseguia prender mais de 5 segundos em qualquer uma das alternativas.

Parece estranho como nos habituamos à nossa própria rotina e como encontramos nela a nossa própria felicidade. Pensará concerteza ao ler estas linhas que existência triste e melancólica ele levava. Nem todos os dias seriam assim: havia dias que sairia com os amigos ou que compartilhava as refeições e os mesmos canais incipientes de televisão com a família. Mas mesmo aquele rotina aparentemente monótona satisfazia-o como que comprovando que a felicidade não se trata de grandes acontecimentos mas de aproveitar os pequenos prazeres da vida.

Foi-se deitar rendido ao próprio cansaço, e à perspectiva de mais um dia fechado naquela mesma sala lúgubre e isolada, junto das mesmas pessoas que lhe contariam o que lhes tinha acontecido naquelas escassas horas que passaram afastados como se fossem autênticas notícias dignas de manchetes de jornais.
E antes de adormecer só teve tempo de pensar nela e sussurar baixinho na esperança que ela ouvisse: “Boa noite princesa”.

Il Fenomeno

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